quarta-feira, 26 de maio de 2010

Carta de um pai português


Querido filho:
Escrevo-te estas linhas para que saibas que seu pai está vivo.

Vou escrever bem devagar, pois sei que não consegues ler depressa...

Caso estejas sem tempo de escrever ao pai,

manda uma carta dizendo que quando estiveres mais tranqüilo vais

mandar notícias.

Se tu viesses hoje aqui em casa não irias reconhecer mais nada,

porque mudamos de casa.

Temos agora uma máquina de lavar roupa.

Mas não trabalha muito bem...

Na semana passada tua mãe pôs lá 14 camisas, apertou o botão

e nunca mais as vimos.

Vai ver que esta marca Hydra não é das melhores...

Tua irmã Maria está grávida. Mas ainda não sabemos se vai ser menino ou
menina. Portanto, não podemos te dizer se tu vais ser tio ou tia...

Teu tio arranjou um bom emprego.Tem 12.300 homens abaixo dele. É o
responsável pelo corte da grama do cemitério.

Quem anda sumido é teu primo Venâncio, que morreu no ano passado.

Lembra-te do teu tio Joaquim? Então, afogou-se no mês passado num depósito
de vinho. Oito compadres dele tentaram salvá-lo, mas o tio lutou bravamente
contra eles. O corpo foi cremado há duas semanas. Levaram oito dias para
apagar o incêndio.

Teu irmão João continua o mesmo de sempre. Semana passada fechou o carro

com as chaves dentro. Perdeu um tempão indo até a casa pegar a cópia da chave,
para poder tirar-nos todos de dentro do automóvel.

Estava um calor de rachar.

Esta carta te mando através do Gabriel, que vai amanhã para aí.

A propósito, será que podes pegá-lo no aeroporto?

Lembrei de uma coisa importante.

Terás um problema para falar com o pai,caso decidas escrever-me.

Não sei o endereço desta casa nova.

A última família que morou aqui, antes de nós, também era portuguesa e levou a placa da rua e o número da casa para não precisar mudar de endereço.
Se encontrares a Teresa, dê-lhe um alô da minha parte.

Caso não a encontres, não precisas dizer nada.

Adeus.
Teu pai que te ama.
Manoel da Alcova
P.S.: Ia mandar-te 50 euros, mas fica para outra vez. Já fechei o envelope!


PENHA RESENDE

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